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24.10.11

Paulo José: de Mundoso.


Meu nosso Vô Mundoso.
Fui filho de Zé de Mundoso, de Ana de Mundoso desde que me entendi por gente.
Sou Paulo de Mundoso, sou Mundoso, sou neto e sou o palhaço que ele um dia fugiu para ser.
Sempre achei lindo seu caminhar ligeiro, seu tempo rápido, curto, sua urgência.
Seu olhar sorrateiro, meu avô, vive também em mim.
Guardo dele poesias, notícias em jornal,
mas sei que o que guardo delas era um orgulho bom, uma vaidade linda que ele tinha em ser tão gente!
Fico muito feliz em vocês serem tão fortes, estarem tão juntos.
Meu coração está aí, ainda que meu corpo sem coragem não assuma a presença.
Tenho falado com mainha, quando pude com ele também.

Esse mês é de dança em Fortaleza, e eu, bailarino ator e palhaço que me meti a ser,
estarei trabalhando todos os dias, minha cabeça que não se concentra e meu coração que Mundoso fica.
Quero compartilhar um escrito, assim como ele também me dediquei a isso.
Quando um dia me perguntaram de onde eu vim e de como me tornei artista:

(As histórias antigas de nossa família nem sempre foram confirmadas como aconteceram de fato, no entanto, a poesia delas nunca deixou de me mover)

Circo no meu imaginário não é substantivo.
Não, Circo para mim é nome próprio.

A minha relação com o Circo é bem próxima. Chego a não me reconhecer nela.

Pensar a História da arte pela ótica do Circo pode tomar o norte de pensar a história da arte em minha vida e, dessa maneira, a minha vivência com o Circo.

Então inicio este relato quando meu avô tinha doze anos, no ano de 1938, quando por vontade de liberdade e de libertinagem resolveu fugir com o Circo. Naquele ano ele estava apaixonado por uma equilibrista e sempre se dispôs a fazer o que fosse preciso para conquistar seus possíveis amores. Desta vez resultou no seu ingresso ao novo universo, onde se tornou Palhaço. Trabalhou no Circo por um ano, mas não agüentando a rotina e desiludido da paixão, retornou para a cidade de Araripina, no Pernambuco, onde esteve fincada nossa família e onde ficou timidamente adormecido seu picadeiro.

O Circo tem sido nômade. Assim nós. Meu tataravô foi achado numa seca no estado do Ceará. Não sei em que ano. Teria de me agarrar à matemática para descobrir, mas isto não vem ao caso agora. O importante é que uma família o encontrou abandonado, esquecido ou sei lá o que, mas de qualquer forma deixado, por alguma família retirante, emigrante... Naquele dia ele passou a ser da família Mota.

Esta família, numa outra “oportunidade” de seca também seguiu seu rumo em direção a terras que lhes oferecessem melhores condições de sobrevivência. Já era então a geração do meu bisavô que seguia seu destino. Em algum ponto da estrada a família arrancha-se para dormir. Ao raiar do dia meu bisavô encontra-se somente com os seus. Seus filhos, sua mulher, sua roupa do corpo. Seu irmão, o chefe da outra família que emigrava sertão adentro, à surdina foi-se embora levando o pouco que ainda tinham. Animais, mantimentos, bagagens. Dividia-se a família Mota.

A parte de cá pegou rumo para o Pernambuco. Foi quando por um tempo fincou-se em Araripina. Neste tempo veio ao mundo a geração de minha mãe e consigo a minha.

Minha mãe não foi do Circo. Apenas brincou de ser Diana em festas de Pastorinhas.

Quando eu tive os meus doze anos, já era de praxe a chegada de Circos na cidade. Morávamos, eu, minha irmã e meus pais, num canto da cidade ainda em ocupação, portanto com muito espaço para que os visitantes montassem sua grande lona. Não lembro de lonas furadinhas em minha infância. Tudo era só encanto e sempre tive uma propensão a enxergar as coisas a partir de um deslumbramento ofuscante. Buracos na lona se existiram, não foram importantes: eram todos os Grandes Circos que chegavam à minha cidade.

Queria estar presente a todas as sessões. Filho de Pedreiro e Dona de Casa não havia uma renda que possibilitasse isso. O que nunca foi problema. Já estava contagiado demais de correr atrás do carro de som respondendo: _Tem sim, senhor! 

Então, aos doze anos eu também já tinha minha rotina. Sempre que chegava Circo em minha cidade, o que acontecia uma vez por ano, sempre ao final do ano, já que os parques chegavam ao meio, eu estava em prontidão. Para garantir minha entrada eu me tornava essencial ao Circo. E o meu acesso se dava pelo trabalho. Durante o dia carregava baldes com água de minha casa, a uns duzentos metros da lona, para as obrigações diárias que precisavam de água. À noite eu era um dos vendedores de pirulitos de açúcar queimado. Sabem aqueles em forma de guarda-chuva que agente carrega num tabuleiro todo furadinho? Pois então. E eu tinha ódio quando alguém me chamava, porque significava perder uma risada, um gracinha de um Palhaço, uma presepada de um Trapezista, um feito, um acontecimento! Porque no Circo tudo é uma boa ocorrência!

Aos quatorze anos voltamos para o Ceará, eu minha irmã e meus pais. Agora fugíamos da seca de 1993 no Pernambuco. Meu pai precisando de água para trabalhar não podia permanecer em Araripina. Escolhemos Fortaleza.

Chegando aqui descobri um novo mundo! Na escola comecei a escrever poesias e peças teatrais. Desenvolvia sempre os trabalhos escolares com certa espetacularidade: tudo era sempre acompanhado de uma música, um vídeo, uma poesia, um texto... Nunca houve dança. O corpo dormia.

Em 1999, quando saia do meu segundo grau escolar, descobri o Curso de Arte Dramática, da Universidade Federal do Ceará. Fiz o teste e passei. Ali meu corpo começa a acordar-se com as aulas de Bethânea, uma professora que me iniciou na arte da acrobacia. Naquele mesmo ano vi meu primeiro espetáculo de Teatro: A Serpente, com direção de Ghil Brandão e Meus primeiros espetáculos de Dança de uma só lapada: Cajueiro Botador (de Sílvia Moura), A Dança de Clarisse (de Andréa Bardawil) e Catu Macã (de Anália Timbó). Neste ano vi também Nada, Nenhum e Ninguém, espetáculo de palhaços de Cláudio Ivo, Acleilton Vicente e Sâmia Bitencourt. Este outro universo me chamava: No primeiro festival SESC Cariri, ainda em 1999, fiz minha primeira aula de acrobacia com Acleilton, no Crato. Ficou o gostinho na boca e no corpo. Era sede.

Acabado o CAD entrei para a aula de palhaço que o Cláudio Ivo ministrou naquele ano. Desta forma nasceu a sexta geração: meu primeiro palhaço, que se chamou Dandão.

Ano seguinte fui contratado pela ETTUSA para estrear o espetáculo Circotrânsito, fazendo o Palhaço Vermelho por mais de um ano, apresentando-me nas escolas municipais de Fortaleza.

A esta época já havia integrado o elenco da Cia. Vatá de Valéria Pinheiro e meu corpo já desarnava para a Dança. Nesta companhia tive aulas de tecido circense com Acleilton Vicente, Sâmia Bitencourt, Renatinho e Luciana Belchior.

O tempo passou. Chegamos a dois mil e seis. Em agosto deste ano nasce minha filha, Anastácia Menina, Também desta sexta geração. Desde pequena sempre se deu bem com as máscaras de Palhaço. Levávamos a criança para nossas apresentações, agora contratados pela Ultragaz, também em peça educativa e de palhaços. Ela então se habituou às pinturas, maquiagens, mudanças de voz, trejeitos, corpos e enchimentos de esponjas.  Melhor lugar para seu sossego nesta época era perto de uma caixa de som com música nos Teatros. Neste ano de 2006 nossa Associação, a Artelaria Produções teve sua sede na Avenida da Universidade onde ministrei aulas de tecido circense todos os sábados deste ano.

Em dois mil e sete fizemos parceria com uma empresa de consultores. Como se deu: na Praia das Fontes, recebíamos determinada empresa na sexta-feira sob a lona de um Circo, o Circo do Motoca, também contratado. Os funcionários recebidos não sabiam do que se tratava. Vieram numa viagem surpresa. Direto ao circo antes mesmo de qualquer check-in ou coisa parecida, realizávamos para eles o espetáculo. No final da noite recebiam a notícia que no sábado teriam aula pela manhã, a tarde montariam e produziriam um espetáculo circense e, no domingo pela manhã fariam a apresentação para a população de Beberibe. Esta parceria e projeto já se realizaram por três vezes com três empresas diferentes: Servis, O Povo e Ultragaz.

Na primeira vez que fizemos este trabalho levamos a Anastácia que ainda mamava e não queríamos deixá-la. Acabou que Anastácia encerrou o espetáculo do domingo, vestida e maquiada de Palhaça, soltando uma pombinha das mãos como deixa para uma chuva de balões no Picadeiro. É a sexta geração dando cria.

Em 2008 Anastácia tinha dois anos, estudava e estava ensaiando na escola uma coreografia para o final do ano, onde foi selecionada pela professora a dançar de Palhaça.   

A minha relação com o Circo é mesmo bem próxima. Chego a não me reconhecer nelaAprendi e me acostumei a encontrar no Circo o amparo, a amizade, a companhia, a proximidade, a intimidade. O Circo pra mim, com tudo o que nele está contido, é digno de ser nome próprio o tempo inteiro. Que eu seja apenas a criança sorrindo e correndo, até hoje atrás do carro de som a gritar: _Tem sim, senhor! Que eu seja para o circo apenas o intruso, o vendedor de pirulitos e aquele que carrega água. Porque o mais certo no que poderia ser em minha vida de circense é isto: aquele que fica sorrindo enquanto contempla o que se passa no Picadeiro. Sou platéia. Platéia que não paga, até hoje. Não com dinheiro. Para estar no circo aprendi a pagar com trabalho, ainda que para isso esse trabalho algumas vezes se dê no Picadeiro, o que é fingimento gaiato de herdeiro de Palhaço. No Picadeiro eu retiro a máscara e assumo para a platéia minha condição de ser igual a ela. No Picadeiro na verdade nunca gostei de usar máscara ou maquiagem. Mas nem por isso escrevi meu nome em letras maiúsculas. Eu queria logo era que meu ofício terminasse e que eu desse a volta na lona e ficasse lá do meu lado torcendo pelos artistas: que Deus proteja o Homem Aranha, que guarde o David no tecido, que os Palhaços sejam também felizes e que a mágica do Pedro dê certo e me engane.

Quando vou me apresentar no Bom Jardim, paquero o Circo que está no caminho, faço planos de ir lá e concluo: Circo é saudade. Circo é sede. E, fugitivo da seca que sou, quero Água. 

Ao meu avô, dedico todas as minhas danças deste mês, desta vida.
Que ele seja lindo sempre sempre, que nosso Pai o recolha em alegria, que as estrelas nunca parem de brilhar para além da lona.

Eu, Paulo de Mundoso, amo vocês!
Que a paz de Deus reine em nossos corações e ajude a cada um transformar essa hora também num alegria possível: comemoremos tanta coisa, tanta vida: tudo, tantos, dele e da minha eterna Nininha nascemos!
Amo vocês família Mota Alencar.


5 comentários:

GISELLE GIRASSOL disse...

EU NÃO LI TODO COM MEDO DE CHORAR.PORQUE MINHA MÃE TAMBÉM FUGIU COM O CIRCO.FOI SER A MOÇA DA SOMBRINHA, AQUELA QUE ANDA NO ARAME.EU ATÉ HOJE NÃO SEI SE É VERDADE, MAS ME ENCHE DE POESIA TAMBÉM.EU QUE NÃO DUVIDO NADA, DOIDA DO JEITO QUE SOMOS, HERDEI ESSA VONTADE DA LIBERDADE E DO SONHO.FALTA-ME TALVEZ A CORAGEM DELA, DO TAL SONHADO SER REALIZADO.FALTA-ME SUA BRAVURA QUE A DESTEMIA DE QUALQUER CRIATURA, OU SITUAÇÃO.FALTA-ME SUA GENEROSIDAE ABUNDANTE QUE RECOLHIA E ACOLHIA QUALQUER VIAJANTE, FOSSE POBRE E MISERÁVEL, DESCONHECIDO E FAMINTO LÁ ESTAVA D. FERNANDA A LHE CONCEDER ABRIGO,MORADA,COMIDA E AFETO DE QUEM AMA TOD@S SÓ POR SEREM FILHOS DO MESMO PAI QUE ESTÁ NOS CÉUS.ESSA MARIA FERNANDA, MARIINHA VAI FAZER FOGUEIRA QUANDO SEU MUNDOSO POR LÁ CHEGAR, E O CÉU HOJE POR RISO E FESTA VIRARÁ ARRAIÁ.UM ARRAIÁ CIRCENSE E A GENTE PLATÉIA FINITA HÁ DE DE SABERMOS QUE ESTAMOS LOGO LOGO INDO.TEM GENTE QUE OLHARÁ O FIRMAMENTO E EXCLAMRÁ:"OLHA COMO ELE ESTÁ LINDO!"
GISELLE GIRASSOL

Iole disse...

Nossa Paulinho!!
Perfeição descreve suas escritas...
Amor demais dá nisso!

@Francisquices disse...

Nossa, quantas emoções que sentir ao ler.

Parabéns.

CLAUDIA ESTEVES disse...

Que lindo! Assim como você!

Azul Choque disse...

vocês são lindos. e eu os amo bem muito. beijos no coração!